“Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes” (Jo 6,9).
17º Domingo – Ano B: 1ª Leitura: 2 Reis 4,42-44; Salmo 144; 2ª Leitura: Efésios 4,1-6; Evangelho: João 6,1-15.
O Evangelho deste domingo faz a abertura da leitura do capítulo 6 de João, o discurso do pão da vida. No Tempo Comum, somos chamados a meditar sobre o viver a partir da vida nova em Cristo, portanto, vamos refletir sobre o mistério da fé, a Eucaristia.
No Segundo Livro dos Reis, encontramos o episódio dos vinte pães para mais de cem pessoas. A pergunta que brota é esta: “Como vou distribuir tão pouco para cem pessoas?” (2Rs 4,43). A resposta do profeta Eliseu, vem pela confiança na Palavra: “Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: ‘Comerão e ainda sobrará’. O homem distribuiu e ainda sobrou, conforme a palavra do Senhor (2Rs 4,44).
O Salmo responsorial canta a confiança de onde nos vem o alimento, o sentido mais profundo de nossa vida: “Todos têm os olhos postos em Vós, e a seu tempo lhes dais o alimento. Abris as vossas mãos, e todos saciais generosamente” (Sl 144, 15-16).
O capítulo seis do Evangelho de João, Jesus nos convida a um êxodo: “Depois disso, Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia, ou seja, de Tiberíades. Uma grande multidão o seguia, vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes. Jesus subiu a montanha e sentou-se lá com os seus discípulos” (Jo 6,1-3). Atravessar o mar, recorda o povo de Deus, saindo da escravidão do Egito e entrando no deserto, onde serão alimentados pelo Senhor. O subir a montanha nos mostra que esta páscoa se dá com a entrega total, é a páscoa da cruz.
Na montanha, Jesus com os discípulos, num gesto característico de oração ao Pai, “levantando os olhos e vendo uma grande multidão que vinha a ele, Jesus disse a Filipe: ‘Onde vamos comprar pão para que estes possam comer?’” (Jo 6,5). Na relação de Jesus com o Pai, está a multidão. Isso recorda o capitulo quatro de João, quando os discípulos tinham ido à cidade, exatamente comprar pão. Quando voltam, estes insistem com Jesus para que coma, mas Ele responde: “Eu tenho um alimento para comer, que vós não conheceis” (Jo 4,32). Os discípulos não entendem se perguntam. Ao que Jesus acrescenta: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obra” (Jo 4,34). E fica compreensível o levantar os olhos, dentro da missão de Jesus, e claro, para todos nós: “Pois eu vos digo: levantai os olhos e vede os campos, como estão dourados, prontos para a colheita!” (Jo 4,35b). Neste momento, Jesus está preparando-nos para participar de sua missão: “Aquele que colhe já recebe o salário; ele ajunta fruto para a vida eterna. Assim, o que semeia se alegra junto com o que colhe. Pois nisto está certo o provérbio ‘Um é o que semeia e outro é o que colhe’: eu vos enviei para colher o que não é fruto do vosso cansaço; outros se cansaram e vós entrastes no que lhes custou tanto cansaço” (Jo 4,36-38). É o caminho de conversão, para Filipe, para os apóstolos e para todos nós. Sem conhecer Jesus e o mistério de sua cruz e o significado disso na nossa vida e missão, continuaremos com o espanto do apóstolo Filipe: “Nem duzentos denários de pão bastariam para dar um pouquinho a cada um” (Jo 6,7).
Esta pergunta de Jesus, ‘onde comprar pão’ é para mostrar o fracasso desta solução, e que deveriam procurar o verdadeiro sentido. A pergunta na verdade é: ‘de onde (ποθεν) vamos comprar pão...? O que nos recorda o questionamento da Samaritana: “Senhor, nem sequer tens uma vasilha e o poço é profundo; de onde (ποθεν), pois, tiras essa água viva?” (Jo 4,11). Aparece no diálogo de Jesus com Nicodemos: “O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde (ποθεν) vem nem para onde vai” (Jo 3,8). Vemos também nas bodas de Caná: “Quando o mestre-sala provou a água transformada em vinho — ele não sabia de onde (ποθεν) vinha, mas o sabiam os serventes que haviam retirado a água” (Jo 2,9). Já no Antigo Testamento, Moisés diante do povo no deserto se questionava: "De onde encontrarei carne para dar a todo esse povo que vem chorar perto de mim, dizendo: dá-nos carne para comer?" (Nm 11,13).
Desta forma, vamos percebendo que precisamos de uma conversão pascal, uma conversão eucarística para compreender o mistério da cruz, o mistério da nossa vida em Cristo e do nosso apostolado. O pouco que temos, a nossa pequenez, ou mesmo o sentimento de incapacidade, deve ser entregue à Jesus: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas, que é isso para tanta gente?” (Jo 6,9). A questão não é a quantidade, mas a capacidade de doação, de partilha, de entrega: "Jesus tomou os pães e rendeu graças (και ευχαριστησας). Em seguida, distribuiu-os às pessoas que estavam sentadas, e igualmente dos peixes lhes deu quanto queriam" (Jo 6,11). O pouco é eucaristizado e todos são alimentados. Somos chamados a participar deste mistério, que nos faz participar da páscoa de Cristo.
Em cada Eucaristia, somos alimentados com o Pão da Palavra, que nos ilumina e nos conduz à Palavra que se faz Pão (Eucaristia - και ευχαριστησας). O que acontece no Altar, acontece na Assembleia reunida. Somos transformados pela força do Espírito Santo: “Olhai com bondade a oblação da vossa Igreja e reconhecei nela o sacrifício que nos reconciliou convosco; concedei que, alimentando-nos com o Corpo e o Sangue do vosso Filho, repletos do Espírito Santo, nos tornemos em Cristo um só corpo e um só espírito” (Oração Eucarística III).
Deus vos abençoe e vos guarde no Caminho do Senhor!
+ Dom Carlos Romulo - Bispo Diocesano de Montenegro
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